Preto.
Branco.
Branco.
Preto.
Preto no branco;
Branco no preto.
Beijo.
Abraço.
Abraço.
Beijo.
Beijo e abraço;
Abraço e beijo;
Beijo e abraço e beijo.
E o verde da esperança?
E o azul da cor do céu?
Ou o azul da cor do mar?
Porque o céu pode mudar.
Fica azul quando ta sol;
Fica cinza quando chove;
Ou fica branco, bem branquinho parecendo de algodão;
Também fica meio roxo ou laranja ou lilás;
Quando o sol ta indo embora e ta querendo ficar mais;
Quando o sol ta indo embora e ta querendo ficar mais avermelhado parecendo um coração.
É o sol que pediu pra pousar
lá na varanda;
Só pra poder iluminar o Pedro
e a Sandra;
É o sol que derrete a neve fria do rochedo;
Só pra esquentar um pouco mais a Sandra e o Pedro.
É preto...
O peito do pé do Pedro é preto.
E é branca...
A palma da mão da Sandra é branca.
A Sandra é branca!
O Pedro é negro!
E o Pedro e a Sandra ficam sempre de chamego...
Preto.
Branco.
Branco.
Preto.
Preto no branco;
Branco no preto.
Beijo.
Abraço.
Abraço.
Beijo.
Beijo e abraço;
Abraço e beijo;
Beijo e abraço e beijo.
Um poema para Sandra e Pedro
Entrevista
Gabriel o Pensador
Remanescente de quilombos em Goiás
O modo kalunga de ser
No nordeste de Goiás, numa área de mais de 230 mil hectares, vivem os Kalunga, a maior comunidade de remanescentes de quilombos do Brasil.
Cinara Barbosa – Imagens da Terra
Modo próprio de ser
Foi em 1722 – quando Bartolomeu Bueno, o Anhangüera, e João da Silva Ortiz fecharam o ciclo bandeirante, com a ocupação das terras centrais – que surgiu o Estado de Goiás, em pleno ciclo do ouro e da garimpagem.
Utilizados como mão-de-obra escrava, os negros andavam cansados da submissão e dos castigos sofridos na exploração das "Minas dos Goyazes". Muitos fugiram, escondendo-se na mata, entre serras, num local de difícil acesso. Fundaram quilombos no município de Cavalcante, na região conhecida como Morro do Chapéu (hoje município de Monte Alegre), formando assim o povo Kalunga.
A comunidade vive hoje numa área de 237 mil hectares – segundo estimativa do Instituto de Desenvolvimento Agrário de Goiás, o Idago –, a 375 quilômetros de Brasília. São cinco os núcleos, abrigando cerca de cinqüenta grupos de base familiar: Vão de Almas, Vão do Moleque, Ribeirão dos Bois, Contenda e Kalunga.
O fato de os Kalunga terem permanecido distantes dos centros urbanos, num lugar inóspito e de difícil aproximação, acabou fazendo deles um dos poucos exemplos de remanescentes negros que quase não sofreram influências externas em seu modo de vida.
No dia-a-dia, o povo kalunga dedica-se à plantação de mandioca, arroz, fumo, milho e, às vezes, feijão. Cria gado e aves, pratica a caça e a pesca. Mas a fabricação de farinha – que envolve toda a família, numa espécie de ritual –, é a atividade produtiva mais importante, base principal do seu sustento.
Depois de esperado o tempo adequado para a raiz poder ser arrancada, a mandioca é descascada, ralada no pau de angico e colocada no piti (saco de palha) para escorrer a água. "Ainda molhada, deve ser peneirada no quibano e colocada para torrar. Mas, antes, tem que esfregar folha de quiabeiro no forno, que é pro barro não soltar", conta Demertino da Silva, 62 anos.
Terras quilombolas
A Constituição de 1988, no artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias, garante aos remanescentes dos quilombos o direito de propriedade das terras que ocupam. Atualmente, dois projetos de regulamentação desse artigo tramitam no Congresso Nacional (veja outra matéria).
Responsável pelas questões que envolvem a comunidade negra, a Fundação Palmares, que é ligada ao ministério da Cultura, considera que não basta o tombamento histórico ou o reconhecimentro e titulação individual das famílias, feitos pelo Idago. Para Olympio Serra, assessor da Presidência, deve-se encontrar um modo de fazer a divisão que respeite a realidade dos próprios remanescentes.
Além do problema da demarcação das suas terras, os Kalunga também estão preocupados com a construção de uma estrada que facilite o acesso à região. A discussão maior é sobre onde se vai abrir a estrada, explica o deputado kalunga Zé Dias, 52 anos, eleito pelo PMDB e terminando o seu segundo mandato. "Há três possibilidades, mas até agora não houve acordo, porque o caminho escolhido não diminui a distância para todos." Para ele, não há dúvida de que "a vantagem de tranqüilidade do local irá acabar, mas a estrada também trará muitos benefícios".
Isolamento e liberdade
A antropóloga Mari Baiocchi chegou aos Kalunga em 1982 e foi quem primeiro fez um levantamento da vida da comunidade, inclusive alertando para o direito à posse da terra. Para ela, é fundamental respeitar em tudo a opinião da comunidade. "Tudo só pode ser feito a partir do que eles acham. Alguns me perguntaram se não seria melhor colocar água na porta, construir mais escolas e postos de saúde."
Para entender os Kalunga – alerta –, é preciso avistá-los como uma comunidade que construiu a sua cultura ao longo de quase trezentos anos de isolamento. Por causa dessas condições, eles não podem apresentar a mesma identidade do descendente de negros africanos do asfalto, em qualquer lugar do Brasil. "Eles não são negros.... Não como os queremos."
Na perspectiva do mundo moderno, os Kalunga assemelham-se a uma comunidade parada no tempo, um exemplo de atraso e necessidade de progresso. No entanto, é justamente esse suposto atraso a prova concreta do preço pago pelos descendentes daqueles que buscaram no isolamento o único meio de conquistar a própria liberdade.
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